Cleide, é uma negra linda. Sessenta anos de idade, de sotaque
paulistano e sorriso farto. Altiva na postura e humilde no trato com as
pessoas. Gente da melhor qualidade. Mãe, avó, amiga e pronta para estender a mão aos que precisam. Uma dessas pessoa que você conhece e nunca mais esquece.
Ela não dispensa
uma “branquinha” no cair da tarde. Sabe a “marvada”!!? A “água que passarinho
não bebe”. Pois é! Cleide não abre mão de sua cachacinha, principalmente nos
dias frios que faz lá no bairro do Bom Clima, em Guarulhos, São Paulo, onde mora.
Sempre que pode, junto com “Bigode” [seu vizinho e companheiro de “birita”]
entre outros amigos, ela começa à tardinha e só termina na madrugada do dia
seguinte. Pitu, 51, Ypioca, Vodca, Conhaques ou qualquer outra bebida. Não importa! O que tiver é
bem aceito. Ao som de boa música [baixinha pra não atrapalhar os vizinhos] e
boas conversas, eles se divertem num mundo só deles.
Há no grupo quem beba pra dormir e acorde para beber. Mas, a Cleide,
não! Ela tem afazeres. Tem que cuidar dos netos, levá-los à escola, a creche.
Precisa cuidar da casa e atender aos amigos. Cleide é muito requisitada. Tem
sempre alguém querendo uma ajuda e ela sempre a disposição para ajudar.
Bigode, um sessentão de barba branca e farta, muito divertido e
simpático é o seu “fiel” companheiro. Uma amizade que dura longos quarenta
anos. Um sabe a história do outro mais do que ninguém. Um sabe os segredos do
outro. Os segredos mais íntimos.
É claro que após tanto tempo dividindo alegrias e tristezas, tira gostos
e cachaça, Cleide e Bigode vez em quando se estranham. Ao longo desses quarenta
anos o alicerce da amizade se abalou e eles brigaram e ficaram sem se falar,
um com outro, várias vezes. Na verdade, a Cleide briga mais com o Bigode, do
que ele com ela.
Para as demais pessoas que convive com os dois, suportar suas caras
feias (um com o outro) é insuportável. Quem os conhece sabe, antes de tudo:
ninguém deve se meter, nos “arranca rabos” dos dois.
Pode correr o risco de
ser atingidos pelos estilhaços.
Aquele que se aproveitou da briga entre os
dois, alguma vez, para falar mal do Bigode a Cleide ou vice versa, se
arrependeu profundamente.
Nenhum dos dois admite que seja falado mal, “isso assim óh”, do outro.
Ainda que eles estejam sem se falar.
Mas, na verdade, as desavenças entre os dois mexem com todos. A rua
fica triste. Às pessoas que convivem com eles, fica a sensação que falta
alguma coisa. O sol não aparece, o céu fica mais cinzento, a vida na
comunidade mais sem sentido. A indiferença dos dois, um pelo o outro, abala as
estruturas do Bom Clima.
Numa dessas crises, tivemos uma ideia!
Pedimos a Severo, um morador do bairro que é um dos caras mais gaiatos que
se possa imaginar, que fosse a casa do Bigode chamá-lo pra briga. O acusasse
de ter mexido com sua mulher.
O que mais o Severo tem na vida, é mulher. Uma em cada esquina.
Vai imaginando a cena: em pleno domingo à tarde, Severo chega na
frente da casa do Bigode, aos berros, chamando-o pra briga. "– Esse safado
soltou enxerimento pra minha esposa, ele tem que aprender a respeitar a mulher de um
homem..." Severo tava bravo, com o Bigode.
Bigode, sem saber de nada, saiu fora de casa e com a cara de surpresa
ficou encostado no portão, sem entender.
Foram chamar Cleide. – Cleide corre, que Severo quer dar no Bigode! Disse o emissário.
Pronto!
O tempo fechou!
Era o que faltava pra acabar com a desavença entre os dois.
Cleide abandonou o que estava fazendo, correu até fora de casa e já
chegou “peitando” o Severo: – Se você encostar um dedo nele, eu meto-lhe a
mão na cara, vagabundo, pilantra...
Viche! Cleide tava mais braba que um siri na lata.
Quem sabia da presepada dava gargalhadas. Severo saiu de fininho antes que realmente sobrasse pra ele.
Era
melhor deixar pra explicar tudo depois. Naquele momento o mais importante era
a paz entre Cleide e Bigode.
Naquela mesma tarde se deram a beber e só
terminaram no dia seguinte. Foi uma festa!
Pela primeira vez foi necessário criar a guerra para se conseguir a paz.
Cleide sempre nos surpreende. A frase mais dita por ela é: Cada um... Cada um!
Ela nunca tentou explicar o que essa frase significa. Apenas a repete,
principalmente se a conversa descamba para a vida alheia.
É nesse mundo, é essa filosofia de vida, que Cleide escolheu pra nos
ensinar que o melhor da vida é viver sem ter que se importar com vida dos
outros.
E o que mais impressiona é que, nesses mais de quarenta anos de
amizade entre Cleide e Bigode, nunca nenhum dos dois, deixou escapar uma
vírgula sobre os segredos do outro.
É isso!
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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
Cada um... Cada um!
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