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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

É só apenas mais um julgamento?


Ontem acompanhei um julgamento no Fórum de Joana Bezerra em Recife. Fui acompanhar um amigo advogado, na sua árdua tarefa de defesa. Três acusados estavam respondendo pelo crime de Tentativa de Homicídio e cada um deles estava sendo acompanhado por seu advogado.

Nunca tinha assistido a um julgamento ao vivo, embora seja admirador dos filmes que retratam júri, réu, condenação, absolvição...  

Mas, desde que adentrei aquele recinto, logo percebi que a realidade era muito distante da ficção. E a impressão que eu tive, de imediato, ainda mais por está ciente do caso relatado pelo meu amigo advogado, foi de está participando de um jogo de cartas marcadas. Onde os réus tinham a mínima chance de saírem daquela situação dado as circunstancias.

A sociedade brasileira é muito preconceituosa com aqueles que se encontram à margem. Não há lugar melhor pra se perceber isso que num julgamento. Corte que julga pobre e negro é muito diferente da que julga brancos ricos. Pobre envolvido com drogas é considerado o lixo da sociedade. Enquanto que rico, é apenas um “incompreendido” que precisa de ajuda de todos. Vejam o exemplo de Casagrande (comentarista da Globo) e Fábio Assunção (ator da Globo).

Aquele julgamento parecia está sendo realizado, apenas, como formalidades jurídicas. O resultado final era claro e certo.

Me chamou atenção a situação de um dos réus... Acusado de mandante da tentativa de homicídio, ele foi durante algum tempo alvo da mídia. Ela ganhou audiência em mostrá-lo como "perigoso". Todos nós conhecemos a mídia e sabemos o quanto ela gosta de criar heróis e bandidos. 

Naquela situação, o acusado de mandar matar a vítima, era entre os três, aquele que menos tinha perspectiva de ser absolvido. Por mais provas que levasse a sua inocência, o tribunal do júri o condenaria pelo seu “sucesso” na mídia como homem perigoso.

Hoje no Brasil é muito difícil julgar um crime sem levar em consideração outros crimes cometidos pelos réus. O que na verdade deveria acontecer era cada crime julgado não ser influenciado por nenhum outro. Mas, não é bem assim que pensa a cabeça do tribunal do júri.

E lá estão todos os protagonistas daquele acontecimento jurídico: familiares e amigos dos réus, jurados esperando pelo sorteio da escolha dos sete julgadores do caso, o promotor esbanjando autoridade em sua mesa, os advogados de defesa, o magistrado recebendo a atenção de todos, policiais, administradores e os anônimos presentes.

Feito sorteio dos sete jurados, aceitos tanto pelo representante do Ministério Público como pela defesa, o juiz autoriza a entrada dos três réus.

Esse é o segundo momento mais tenso de toda a seção de julgamento, o primeiro com certeza ocorre lá no final. Na leitura da sentença.

Três réus sentados e amedrontados diante do peso da mão do Estado sobre eles. Olhares confusos e distantes em busca de seus familiares. Vez ou outra percebe-se um aceno, um sorriso, ainda que bastante modesto.

Dos três réus, apenas um resolveu falar. Os outros dois preferiram manter-se calados. Garantia Constitucional a qual todos nós temos direito.

Após ouvir os réus, é dado continuidade ao julgamento por meio do promotor. Depois a defesa. Só aí se vão quase seis horas de julgamento. Um só acusando e três defendendo e os sete homens do júri “atentos” sobre as provas apresentadas.

Poderia aqui tratar minuciosamente de todo julgamento, que durou quase dez horas, mas prefiro me ater a observações mais entediosas.

Por exemplo: vi nesse julgamento a postura altiva e quase endeusada do representante do Ministério Público. Seu preconceito para com os réus e a localização onde nasceram, se criaram e "cometeram" o crime. Durante todo tempo a pedir a condenação dos réus. 

Vi um Júri formado por seis homens e uma mulher, que antes mesmo do início do julgamento, já tinham uma ideia de suas escolhas. Não importando se a lei orienta aos jurados, em caso de dúvida, votar em prol do réu. 

E olha amigos... Nesse caso não faltaram dúvidas. A vítima, quinze dias depois do fato, diante do delegado, não conseguiu lembrar que tinha recebido um telefonema do “suposto mandante”. Mais de um ano depois, diante do juiz, relatou que logo depois de ter atendido um telefonema foi alvejado por tiros de revolver, que foi quem falou com ele no telefone o mandante... Na delegacia, falou que foi uma pistola, a arma do crime. 

Hoje, no Brasil, se tiver uma criança que não saiba distinguir uma pistola de um revolver... 

Vi um Magistrado sereno e capaz de executar todo trabalho sem estardalhaços ou show pirotécnico. Sua presença foi a menos percebida durante os trabalhos.

Vi o pessoal da segurança nervoso, como se temendo alguma represália. Algo incomum, uma vez que na platéia, assistindo o julgamento, havia na maioria senhoras idosas, esposas, irmãs e filhas dos réus. Na verdade, havia mais estudantes e advogados, que parentes ou amigos dos réus. Mas logo percebi que até essa sensação de “perigo a vista” ajuda a ferrar ainda mais com os réus. Tudo faz parte de um jogo sujo e sórdido. Tudo converge para influenciar o tribunal do júri.

Vi o excelente trabalho dos advogados de defesa que derrubaram muitas das provas apresentadas pelo promotor de justiça, todas elas (as provas) baseadas no depoimento da vítima.

Não vi a vítima. Ela não compareceu ao julgamento. Está presa no Aníbal Bruno. Responde por vários crimes entre eles tráfico de drogas e homicídios. O último crime, pelos comentários extra julgamento, foi de assassinar um policial militar. Foi justamente esse indivíduo que não pode comparecer ao julgamento para apontar seus algozes, por temer a própria vida, segundo o promotor. Pode, um negocio desses?

Enfim chegou o final! O resultado por mim esperado foi concretizado. A justiça brasileira se baseia exclusivamente na condenação. Não há meio termo ou análise de precedentes ou atenuantes. A justiça brasileira só enxerga as prerrogativas que levam os réus para o cárcere. Só isso é o que verdadeiramente importa.

E chega a pior parte do julgamento: sentenciados há 15 anos e mais os custos do julgamento.

A defesa, mesmo tendo sido prejudicada pela ausência da vítima, teve seus clientes condenados. E pasmem! O tribunal do júri, aceitou o pedido do promotor, de crime de quadrilha. Três réus, condenados pelo crime de quadrilha.
  
Qual a conclusão que tirei desse fato: primeiro que o peso das togas estão levando homens a julgar réus pela aparência, pelo que a mídia tem a dizer sobre o réu ou pela classe social dele. E segundo, quanto o tribunal do júri é influenciado mais pelos argumentos do promotor que pelos advogados de defesa.

Para o tribunal do júri é apenas mais um julgamento. Não importa aqueles que estão sentados no banco dos réus. Afinal, faz parte do ser humano puxar os outros pra baixo?

Lastimável!  
  


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