“Em fevereiro, quando comecei a dar aula para uma nova turma na zona leste, eles descobriram que eu falava francês. Alguns alunos me perguntaram se eu poderia dar aulas de francês para eles no intervalo. Eu amei a ideia. Eles abrem mão do intervalo, eu também, e ficamos lá, aulas de francês em meio aos livros de direito.
Hoje, alguns meses depois de começarmos a estudar francês juntos, um aluno que adoro, daqueles que carregam uma história difícil no olhar, com seus 40 anos, magro, tímido, negro e muito doce, veio falar comigo. Ele é vigia numa multinacional, estuda à noite e de madrugada faz bico como segurança às vezes.
Ele veio me contar que estava na empresa, quando o presidente passou com um executivo estrangeiro. Ele disse que reconheceu o som: era francês. Quando os dois passaram por ele, ele disse "bonjour, monsieur". Ambos pararam, incrédulos, e o homem perguntou se meu aluno falava francês. Ele disse "oui, un peu". Ele sorriu e o executivo apertou sua mão.
Eu, já de olhos marejados, ouvi a turma aplaudir a história. Ele, sem graça, sorriu e olhando para baixo disse "acho que o presidente nunca tinha me visto. Agora ele me cumprimenta toda vez que passa."
Ao sair da faculdade, no carro, sem parar de pensar nessa história um minuto, viro para o lado e vejo ele de pé dentro do ônibus, com a sua mochila. Caí num dos choros mais intensos da minha vida. A educação tem a capacidade de fazer com que alguém deixe de ser invisível. E eu eu sigo sonhando com o dia em que a educação seja eficiente a ponto de formar presidentes de empresas que sejam capazes de enxergar os vigias, mesmo que eles não falem francês.”
(ah, e só para constar, esse meu aluno era bolsista do Prouni, num tempo em que o Brasil apostava na educação e não em armas)
Texto da professora Cris Guerra
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