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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Cada um... Cada um!




Cleide, é uma negra linda. Sessenta anos de idade, de sotaque paulistano e sorriso farto. Altiva na postura e humilde no trato com as pessoas. Gente da melhor qualidade. Mãe, avó, amiga e pronta para estender a mão aos que precisam. Uma dessas pessoa que você conhece e nunca mais esquece. 

Ela não dispensa uma “branquinha” no cair da tarde. Sabe a “marvada”!!? A “água que passarinho não bebe”. Pois é! Cleide não abre mão de sua cachacinha, principalmente nos dias frios que faz lá no bairro do Bom Clima, em Guarulhos, São Paulo, onde mora.

Sempre que pode, junto com “Bigode” [seu vizinho e companheiro de “birita”] entre outros amigos, ela começa à tardinha e só termina na madrugada do dia seguinte. Pitu, 51, Ypioca, Vodca, Conhaques ou qualquer outra bebida. Não importa! O que tiver é bem aceito. Ao som de boa música [baixinha pra não atrapalhar os vizinhos] e boas conversas, eles se divertem num mundo só deles.

Há no grupo quem beba pra dormir e acorde para beber. Mas, a Cleide, não! Ela tem afazeres. Tem que cuidar dos netos, levá-los à escola, a creche. Precisa cuidar da casa e atender aos amigos. Cleide é muito requisitada. Tem sempre alguém querendo uma ajuda e ela sempre a disposição para ajudar.

Bigode, um sessentão de barba branca e farta, muito divertido e simpático é o seu “fiel” companheiro. Uma amizade que dura longos quarenta anos. Um sabe a história do outro mais do que ninguém. Um sabe os segredos do outro. Os segredos mais íntimos.

É claro que após tanto tempo dividindo alegrias e tristezas, tira gostos e cachaça, Cleide e Bigode vez em quando se estranham. Ao longo desses quarenta anos o alicerce da amizade se abalou e eles brigaram e ficaram sem se falar, um com outro, várias vezes. Na verdade, a Cleide briga mais com o Bigode, do que ele com ela.

Para as demais pessoas que convive com os dois, suportar suas caras feias (um com o outro) é insuportável. Quem os conhece sabe, antes de tudo: ninguém deve se meter, nos “arranca rabos” dos dois.
Pode correr o risco de ser atingidos pelos estilhaços. 

Aquele que se aproveitou da briga entre os dois, alguma vez, para falar mal do Bigode a Cleide ou vice versa, se arrependeu profundamente.

Nenhum dos dois admite que seja falado mal, “isso assim óh”, do outro. Ainda que eles estejam  sem se falar.

Mas, na verdade, as desavenças entre os dois mexem com todos. A rua fica triste. Às pessoas que convivem com eles, fica a sensação que falta alguma coisa. O sol não aparece, o céu fica mais cinzento, a vida na comunidade mais sem sentido. A indiferença dos dois, um pelo o outro, abala as estruturas do Bom Clima.

Numa dessas crises, tivemos uma ideia!

Pedimos a Severo, um morador do bairro que é um dos caras mais gaiatos que se possa imaginar, que fosse a casa do Bigode chamá-lo pra briga. O acusasse de ter mexido com sua mulher.

O que mais o Severo tem na vida, é mulher. Uma em cada esquina. 

Vai imaginando a cena: em pleno domingo à tarde, Severo chega na frente da casa do Bigode, aos berros, chamando-o pra briga. "– Esse safado soltou enxerimento pra minha esposa, ele tem que aprender a respeitar a mulher de um homem..." Severo tava bravo, com o Bigode.

Bigode, sem saber de nada, saiu fora de casa e com a cara de surpresa ficou encostado no portão, sem entender.

Foram chamar Cleide. – Cleide corre, que Severo quer dar no Bigode! Disse o emissário.

Pronto!
O tempo fechou!
Era o que faltava pra acabar com a desavença entre os dois.

Cleide abandonou o que estava fazendo, correu até fora de casa e já chegou “peitando” o Severo: – Se você encostar um dedo nele, eu meto-lhe a mão na cara, vagabundo, pilantra...

Viche! Cleide tava mais braba que um siri na lata.

Quem sabia da presepada dava gargalhadas. Severo saiu de fininho antes que realmente sobrasse pra ele. 

Era melhor deixar pra explicar tudo depois. Naquele momento o mais importante era a paz entre Cleide e Bigode.

Naquela mesma tarde se deram a beber e só terminaram no dia seguinte.  Foi uma festa!

Pela primeira vez foi necessário criar a guerra para se conseguir a paz.

Cleide sempre nos surpreende. A frase mais dita por ela é: Cada um... Cada um!

Ela nunca tentou explicar o que essa frase significa. Apenas a repete, principalmente se a conversa descamba para a vida alheia.

É nesse mundo, é essa filosofia de vida, que Cleide escolheu pra nos ensinar que o melhor da vida é viver sem ter que se importar com vida dos outros.

E o que mais impressiona é que, nesses mais de quarenta anos de amizade entre Cleide e Bigode, nunca nenhum dos dois, deixou escapar uma vírgula sobre os segredos do outro.

É isso!




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