Reproduzo texto inteligente de Lino Bocchini, da Carta Capital.
Existem verdades que estão bem claras!
Mas, alguns brasileiros alienados não se esforçam para enxergá-las.
Alckmin, Haddad e as escolhas da mídia.
Lino Bocchini
No jargão jornalístico, “setorista” é o repórter que acompanha e
escreve exclusivamente sobre algum tema. Quando Gilberto Kassab era
prefeito de São Paulo, um conhecido jornal paulista não tinha nenhum
setorista de Prefeitura. O que existia –e ainda existe—são repórteres
especializados em transportes ou saúde, por exemplo. São profissionais
que fazem matérias sobre sua área, seja qual for a instância de poder.
Em janeiro de 2013, quando começou o governo Fernando Haddad, o mesmo
jornal nomeou três setoristas de Prefeitura. Ou seja: a partir da
mudança de comando na cidade, três profissionais deste veículo passaram a
se dedicar exclusivamente a cobrir a Prefeitura de São Paulo.
No governo estadual, a realidade é outra. Não há na mídia
convencional nenhum jornalista que se dedique exclusivamente a cobrir a
administração Geraldo Alckmin (PSDB).
A diferença de tratamento é uma escolha das empresas de comunicação. A
direção de cada rádio, jornal, revista ou TV que tem sede em São Paulo
ou atua na cidade decidiu noticiar de forma crítica cada movimento da
gestão Fernando Haddad (PT) e, em uma atitude oposta, deixar o
governador Geraldo Alckmin “livre” ao tratá-lo com menor atenção e rigor
editorial.
Essa linha editorial-ideológica dos “grandes” da comunicação explica,
em parte, os resultados de pesquisas divulgadas nos últimos dias e que
mostram uma má avaliação da gestão de Haddad e a tendência de reeleição
em primeiro turno de Alckmin.
E estamos falando de uma gestão que está implantando corredores de
ônibus e ciclovias pela cidade toda, implantou um programa inovador de
apoio a usuários de crack, está combatendo o uso indiscriminado de
Ritalina, aumentou a capacidade de reciclagem de lixo da cidade,
garantiu a reabertura do cinema Belas Artes e aprovou um plano diretor
elogiado até pelo MTST, entre outras medidas desses últimos 18 meses.
A gestão do petista Fernando Haddad tem seus problemas, claro. Chama a
atenção, entretanto, o fato de ser a pior avaliada após um ano e meio
de governo desde a de Celso Pitta (1997-2000). Segundo pesquisa
Datafolha divulgada no último dia 18 de julho, 47% da população
considera a atual gestão municipal “ruim” ou “péssima”, e apenas 15% a
aprovam.
Como comparação, a gestão José Serra foi a mais bem aprovada desde
que o instituto começou a fazer esse tipo de pesquisa, na gestão Jânio
Quadros (1986-1988). O tucano ficou à frente do poder municipal de São
Paulo por apenas 13 meses e abandonou o cargo para concorrer ao governo
estadual, deixando a prefeitura para Gilberto Kassab. Mesmo seus
eleitores têm dificuldade de lembrar qualquer realização de seu breve
governo e, mesmo assim, Serra teve sua administração classificada como
“ótima” ou “boa” por 56% dos entrevistados.
Agora vejamos o governo estadual. Entre idas e vindas, Alckmin está
em seu 9º ano no comando do Palácio dos Bandeirantes. O PSDB está por lá
desde 1995. Com duas décadas de partido único, São Paulo é o estado
brasileiro com menor alternância de poder dentre os 27 entes da
federação.
A gestão de Geraldo Alckmin é aprovada por 46% da população, e suas
intenções de voto chegam a 54% no Datafolha. Os números são semelhantes
em outros institutos e lhe garantiriam uma folgada vitória no primeiro
turno caso a eleição fosse hoje.
Crise inédita de falta de água, violência policial, sensação de
insegurança da qual boa parte da população reclama, valor dos pedágios,
metrô em marcha lenta, denúncias de corrupção (Alston, Sabesp etc),
maior crise financeira da história da USP, presídios e Fundação Casa
super lotados, Santa Casa quase fechando as portas… nada “cola” no
governador, parece ser tudo culpa de um genérico “poder público”.
Esses assuntos estão no noticiário, mas com muito menos frequência e
de outra forma do que no caso de eventuais problemas da gestão Haddad, e
raramente associados ao nome do governador. Pelo noticiário, a
impressão que se têm é que a falta de água é um problema divino, e há
quem acredite que a crise da Santa Casa ou a lentidão do metrô “é culpa
da Dilma”. Perceba a diferença entre os títulos “Falta de planejamento
do Estado causa falta de água” e “Falta de planejamento de Alckmin causa
falta de água”. Como já disse Paulo Francis, “jornalismo é uma questão
de ênfase”.
Um amigo não petista e eleitor de Marina costuma dizer que “os
problemas do governo do Estado só vão ser noticiados se o Padilha
ganhar”. A ironia traz um fundo de verdade. Alguém acredita que, em caso
de vitória do petista Alexandre Padilha, o Palácio dos Bandeirantes
seguirá sem um único jornalista especialmente destacado para vigiá-lo?
Não há problema algum nessa postura da mídia. Cada veículo tem suas
preferências políticas e posições bem definidas. É assim no mundo todo. O
que varia é o grau de transparência e honestidade com o leitor. O
problema é que a imprensa brasileira, e particularmente a paulista, não
reflete a diversidade de ideias encontrada na sociedade. Ela segue uma
lógica editorial que contempla apenas uma parcela da população.
Os veículos em geral escondem suas intenções por detrás de um verniz
de uma suposta imparcialidade que ainda ludibria boa parte dos leitores.
Se todos jogassem limpo e revelassem suas posições, como acontece, por
exemplo, na mídia dos Estados Unidos e da França, pelo menos o jogo
ficaria mais honesto e o leitor não compraria gato por lebre.
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