sábado, 26 de setembro de 2015

Severino voltou para Universidade.



Severino é um nordestinense.

Um desses caras que adora seu povo e seu lugar. Difícil de ser manipulado pelas forças midiáticas, políticas, militares, econômicas e até "religiosas" desse país. 

Ele deixou de assistir a globo e ler a veja, há mais de dez anos. Se diz curado do grande mal que existe nesse país. Isso mesmo(!), para todas as mazelas existentes no Brasil, Severino culpa a imprensa brasileira. Capaz, segundo ele, de destituir governos republicanos e eleger governantes tiranos. 

Essa posição crítica sobre a imprensa brasileira, já causou a Severino muito descontentamento. Várias vezes ele foi atacado pelos que pensam contrariamente às suas ideias. Mas ele sustenta e assegura que o Brasil seria muito melhor não fosse essa imprensa tendenciosa, mentirosa e inimiga do povo brasileiro.

Com um pensamento desses, fica difícil o Severino encontrar amigos nas redes sociais. É quase sempre alvo de críticas por expressar um pensamento diferenciado. Enquanto ele discute no campo do conhecimento político e social, seus críticos o açoita como a um gado para o matadouro. 

Após vinte anos longe de uma sala de aula, Severino resolveu retornar a Universidade. Fez o ENEM em 2014, se inscreveu no SISU e foi selecionado para fazer o segundo curso superior na sua vida, já vivida, de quase 50 anos.

Dizem que é a primeira impressão a que fica. Severino percebeu rapidamente que a universidade, ao longo desses 20 anos, mudou. E mudou para melhor! Mas sabia que ali não seria diferente dos outros lugares que costuma frequentar. Haveria de ter muitos embates com colegas, alunos e professores.

As pessoas muitas vezes se enganam ao imaginar que numa Universidade só existam intelectuais, pessoas inteligentíssimas e mentes brilhantes. Na verdade, existem, sim, mas existem também os chamados analfabetos sociais, humanos e políticos.  

Logo na primeira semana de aula, na fila de um dos restaurantes do Campus da Universidade, Severino atentou para uma conversa que dois alunos travavam a sua frente. Enquanto a fila andava, ele se surpreendia com o diálogo entre os dois rapazes. Um branco e o outro negro, aparentemente  com 20 e 23 anos respectivamente.

- Temos que tirar aquela maldita do poder! (dizia o rapaz mais novo)
- Não é possível que esse país vá continuar sendo roubado por esse povo do PT. (falou o mais velho)

Severino atento a conversa, calado estava, calado permaneceu. Apenas refletindo, ali com seus botões: possivelmente, se o PT não tivesse governado o Brasil, muitos daqueles jovens não estariam ali. Lhe chamou atenção o restaurante do Campus. Havia cerca de trezentas pessoas, entre alunos, professores e visitantes, sentados à mesa degustando sua comida, que parecia ser de ótima qualidade e sabor. E na fila indiana, corria mais umas cem pessoas, esperando para fazer seu prato, sentar e comer, pagando em média R$: 15,00 pela comida e um copão de suco. Ele próprio, certamente, não estaria ali não fosse os sucessivos governos petistas. Só lhe foi possível, porque Lula e Dilma decidiram dar oportunidades aos pobres.  E isso precisa ficar bem claro na cabeça do povo, porque era justamente a realidade da grande maioria dos que estavam ali. Todos eles naquele local, eram da classe pobre. Independente de uns ter carro ou uma melhor condição de vida, todos eram pobres.

Severino tem um conceito muito simples de quem é rico e pobre. Para ele, pobre é aquele que não pode ficar sem trabalhar. E naquela confraria do conhecimento, que estava ali em fila e sentado almoçando, todos faziam parte da mesma classe social. Da classe pobre. Ninguém ali se daria ao luxo de parar de trabalhar sem transformar sua vida num transtorno. Por vezes passou pela cabeça do Severino, que não adianta falar difícil e querer transparecer o que não é. Não adianta esquecer suas raízes. Estar na Universidade é um privilégio para muitos, hoje. Mas é preciso que seja reconhecido que não foi sempre assim.

Certo que o papo dos dois alunos a sua frente não lhe importunaria e ele não iria se intrometer, ele faria um esforço tremendo para não se envolver em discussões medíocres. Mas de repente o rapaz mais novo, olhou para ele e o trouxe para o acalorado debate sobre “expulsar” o governo e toda “essa corja” petista do Brasil para Cuba. Sem pedir, Severino se viu no centro de um debate fascista alimentado pela nossa hipócrita mídia. Claro que o Severino culpou a mídia!

- O senhor não acha que o PT tem feito um grande mal a esse país? Lhe perguntou um dos jovens.

Severino, nos seus cento e oitenta e cinco metros de altura, olhou bem para os dois rapazes, que tinham a metade da sua idade, aparentavam ter menos idade que seus filhos. Após uma rápida reflexão, respondeu: sim, eu acho! 

Eu concordo com vocês, o PT tem feito um grande mal a esse país. Vejam vocês o absurdo que está acontecendo no Brasil. Nós não encontramos mais empregadas domésticas. Onde já viu isso?! Por causa desse governo "corrupto", o primeiro e o único governo corrupto que o Brasil teve em 515 anos; por causa dele, as empregadas domésticas voltaram para a sala de aula. Muitas estão se formando e abandonando seus patrões bondosos e amáveis. Às poucas que sobraram, foram-lhes dados direitos trabalhistas jamais imagináveis. Mas não para por aí não! Só pra vocês terem uma ideia do que fez esse governo bolivariano: eu tenho um conhecido meu, empresário no ramo de funerárias no Piauí, que me dizia que por semana morriam cerca de 10 a 15 crianças carentes nos arredores de Teresina. Ele fazia o enterro por três, quatro, cinco mil reais, a pedido de “bondosos” deputados e vereadores que lhe pagavam. (num sussurro, bem baixinho, falando para os dois) - Os caras levavam uma certa vantagem no negócio; vocês sabem como é. Políticos adoram dar carta de apresentação para desempregado, distribuir remédios e bancar enterros. Essas coisas dão votos e rende uma graninha. Pois bem! A Dilma Rousseff, essa "desgraçada", inventou esse tal de Mais Médicos e simplesmente erradicou as mortes de crianças no Estado do Piaui. É mole, amigo! Vejam que absurdo! Como vão viver esse empresário e os “bondosos” políticos piauienses, sem as mortes das criancinhas? 

Esses governos petistas, do Lula da Silva é da Dilma Rousseff, mudaram a cara do nordeste brasileiro. Gente! Cadê os favelados da seca, os miseráveis que viajavam para Sum Palo. O nordeste sempre foi pobre. Para quê refinaria, hemobrás, fábrica da fiat no nordeste? 

Apontando para a massa de estudantes que estava no restaurante, Severino continuou: olhem ao seu redor! O que vocês dois vêm? Num sussurro, bem baixinho, falou para os dois: negros e pobres na Universidade. Onde já se viu isso, camarada?! Há sete anos, não existiam tantos negros nos campus universitários do Brasil. Agora, nossos filhos, terão que dividir a sala de aula da Universidade, com os filhos do vigia do prédio, do motorista de táxi, com o filho do gari. Poxa, cara! Com os filhos do gari! O que o boris casoy tem a dizer sobre isso?

E prosseguiu ainda:

Tudo isso é culpa desses petralhas miseráveis. O fhc, nos seus “gloriosos” oito anos de governo, não fez uma sala de aula sequer em nenhuma Universidade. Aí vem o Lula e abre extensão Universitária e Campus Universitário, por toda parte, dando à classe pobre, que antes era escrava, o direito de ingressar no curso superior. 

Absurdo! 

Precisamos tirar o PT do poder, custe o que custar!

Os dois rapazes ficaram por um pequeno espaço de tempo, desnorteados. Mas não são características dessa geração “intelectualizada pela globo e veja” enxergar seus erros e mudar seus pontos de vistas. Essa geração, a dos analfabetos sociais, humanos e políticos, a geração que será conhecida como os filhos da mídia, adeptos de ensinamentos golpistas e fascistas, não erram nunca. 

Os dois jovens estudantes deram as costas para Severino após o olharem com um olhar de extremo descontentamento e preconceito. Foi como se eles dissessem: mais um que está sendo enganado pelos comunistas ou ganhando alguma parte do que está sendo roubado.

Ou será que viram no Severino um beneficiário do Bolsa Família?

Por fim, alcançaram as bandejas de comida. Se serviram e seguiram para uma das mesas que havia desocupado. 

Consciência de classe é o que falta na burguesia desse país. Saber, que embora médico, policial, jornalista, "quitandeiro" ou que se enxergue como classe média "baixa, média ou alta", todos nós somos pobres! Igualmentes, pobres(!), ao porteiro do prédio, o gari, a moça do salão e beleza ou o sujeito que empacota mercadorias no supermercado. 

Ao passar pela mesa dos dois jovens, Severino ainda deixou escapar: maldito PT, antes não havia tanta gente podendo pagar um almoço de 15 reais!